quarta-feira, 11 de maio de 2011

O avesso é a alma do negócio

Já presencie a proposição do fim da publicidade em alguns dos muitos debates sobre comunicação dos quais participei. Apesar de entender as motivações, sempre achei a proposta exagerada. Também já ouvi afirmações de que com o fim do capitalismo a existência da publicidade simplesmente perderia o sentido. Mesmo sendo socialista, não acho que a publicidade tenha que acabar e muito menos considero que ela sumirá com o fim do capitalismo. Mesmo com o fim da venda de mercadorias para a obtenção de lucro, campanhas de vacinação e de prevenção de epidemias continuarão sendo necessárias em meios de comunicação de massa.

Proibir toda e qualquer publicidade não me parece razoável, mas podemos fazer como muitos países civilizados que regularam e regulamentaram a veiculação de publicidade nos meios de comunicação de massa. Proibir a publicidade feita com e para crianças, por exemplo, é algo totalmente factível e razoável e por isso é praticado em vários países tidos como exemplos de desenvolvimento cultural. Entretanto no Brasil os grandes meios chamam isso de atentado a liberdade de expressão quando na verdade não querem dizer atentado a liberdade de exploração. A lei atualmente permite que os canais de TV tenham no máximo 25% de publicidade em sua programação, entretanto não há nada que regulamente o que é publicidade e o que é conteúdo não publicitário. Isso faz com que as insuportáveis merchandisings se proliferem diante de nossos olhos tornando tudo o que se vê e escuta em um catálogo de super-mercado. Não definir o que é publicidade cria aberrações como os canais com 24 horas ininterruptas de tele vendas e mais nada.

Comunicação é persuasão, todo ato de comunicar tenta necessariamente convencer alguém de algo, independentemente das relações entre capital e trabalho, e a publicidade nada mais é do que um ótimo instrumento para falar da forma mais eficiente possível pra muitos e em pouco tempo ou em pouco espaço. Cuba que o diga: "Uma revolução é uma força mais poderosa que a natureza" diz a frase de Fidel na fachada do centro de meteorologia na ilha socialista que tem de enfrentar todos os anos fortes furacões.  Marketing do bom.

O problema é que muitos anos ininterruptos perseguindo o único objetivo de se vender mercadorias fez da publicidade um instrumento que reduz o cidadão a condição de consumidor. Não por acaso, chamamos a publicidade na TV de "intervalo comercial" ou de “comercial”. Esses comerciais muitas vezes criam necessidades que não existiam antes da veiculação da propaganda e agregam características fantasiosas aos produtos os transformado em fetiches. Desta forma, bilhões são gastos para convencer você de que um sabonete é muito melhor que o outro por mais que todos os tipos sejam 98% feitos de banha. Qual das infindáveis estruturas de cabelo recriadas em 3D nas propagandas de condicionador é a verdadeira? Essas propagandas ainda nem são das piores, as que realmente me estarrecem são as que trabalham a alma do negócio capitalista tendo como missão vender a ideia de que o produto é exatamente o seu avesso.

A propaganda do oposto é uma categoria da publicidade que figura entre as mais poderosas formas de persuasão e por isso não são poupados recursos financeiros para a sua realização. Não por acaso também são as mais usadas em campanhas eleitorais. A propaganda do avesso tem que reverter por si só e em poucos segundos a imagem que faríamos de um produto ou de um candidato se o analisássemos com o mínimo de raciocínio e calma. Por isso esse tipo de propaganda usa uma linguagem rápida e emotiva para enfrentar os efeitos de uma análise racional mais aprofundada e cuidadosa. Na luta pela conquista de corações e mentes a vitória sobre o coração pode ser o suficiente.

No Brasil temos exemplos formidáveis dessa categoria no horário nobre da TV. Quem em sã consciência acha de fato que ao se tornar cliente de um banco privado vai ajudar a criar um mundo melhor? Certamente John Lennon se revirou no túmulo ao ouvir sua música Imagine na propaganda do Banco Itaú. Com ela o banco tenta demonstrar que está em harmonia total com seus funcionários (os quais na realidade fazem greves constantemente) e que você pode confiar o seu dinheiro aos acionistas da empresa para criar um mundo melhor. Ora, são justamente os bancos que financiam campanhas eleitorais milionárias para poder cobrar que os candidatos eleitos continuem negando recursos para a saúde e para a educação a fim de garantir seu lucro privado pelo pagamento dos juros da dívida pública. O banco sabe que as pessoas sabem que ele não quer um mundo melhor que signifique a redução do seu lucro e por isso faz uma propaganda dizendo justamente o contrário: “Antes dos meus interesses privados vem o interesse público, vem o interesse comum”.

Pelo mesmo motivo a maior mineradora estatal brasileira, imediatamente depois de ter se desnacionalizado ao se transformar em uma multinacional privada, adotou como slogan: “Vale: uma empresa cada vez mais verde e amarela”. É verdade que para vender a publicidade se vale de sonhos e não da realidade, mas quando o sonho é justamente o contrário do que acontecerá com a aquisição do produto isso é no mínimo propaganda enganosa. Ou seja, quando você assistir uma propaganda de carro dizendo patrioticamente que agora ele é feito no Brasil entenda que agora as remessas de lucro que chegam à matriz da multinacional também partem do Brasil. Se não fosse para consolidar uma imagem vendável que é o avesso da realidade, por que razão gastariam tanto dinheiro pra nos convencer de que um veneno que mata barata, um dos bichos mais resistentes do mundo, não faz mal para o bebezinho que engatinha pelo chão colocando tudo que vê na boca?  Ou por que não contratam atores e atrizes com barriga de cerveja para fazer propaganda de cerveja?

O avesso é a alma do negócio capitalista. A propaganda é apenas publicidade.

Pedro Ekman é militante do Intervozes.

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